A Agenda 2030 e os desafios do desenvolvimento sustentável

Quando a consciência política dos governos falha ou falta, a pressão da sociedade civil organizada passa a ser fundamental Apesar das críticas sobre não-transparência e dependência da ONU, reconhece-se o esforço na busca de...
Quando a consciência política dos governos falha ou falta, a pressão da sociedade civil organizada passa a ser fundamental
Apesar das críticas sobre não-transparência e dependência da ONU, reconhece-se o esforço na busca de soluções coordenadas para problemas globais

Apesar das críticas sobre não-transparência e dependência da ONU, reconhece-se o esforço na busca de soluções coordenadas para problemas globais

Por Claudio Guedes Fernandes

Setembro marca o primeiro aniversário da Resolução A/Res/70/1 da Organização das Nações Unidas (ONU), a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, resultado de épicos debates políticos sobre atos institucionais e linguísticos, de intenso nível prático-teórico, a partir de interesses soberanos de Estados membros na maior organização de governança multilateral do planeta.

Quando o embaixador Macharia Kamal, hábil representante do Quênia e co-facilitador das negociações da Agenda 2030 elogiou efusivamente a habilidade da pena e domínio da língua inglesa do seu colega David Donoghue, embaixador da Irlanda, ele confirmava que o resultado dos acontecimentos desenrolados estavam no domínio da escritura.

A base acordo, que tem entre suas metas estruturantes a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades, é a linguagem como expressão de compromissos políticos.

E sinceros ou não, possíveis ou não, a validade desses acordos não-vinculantes da ONU é que estes podem servir como ferramentas, em âmbito nacional, para que cobremos credibilidade a partir da palavra firmada.

Apesar das várias críticas sobre não-transparência e dependência da ONU,reconhece-se o esforço memorável na busca de soluções coordenadas para problemas globais que se perpetuam, muitos deles contemplados na Agenda 2030 que, por sua vez, clama por cooperação e multilateralismo.

E organizações não governamentais de todos os setores, cada vez mais se apropriam, no mundo inteiro, de seus 17 objetivos e 169 metas que, se implementadas, apontarão caminhos para consolidação de políticas multilaterais holísticas e universais estratégicas.

É certo que nada força um país que se comprometeu com esta agenda a implementá-la, a não ser a consciência política nacional de honrar sua palavra diante da comunidade internacional. Mas quando a consciência política falha, ou falta aos governos, a pressão da sociedade civil organizada passa a ser fundamental, às vezes o único caminho possível.

Neste momento em que a crise política do Brasil também comemora aniversário, vale lembrar que até agora pouco foi feito para a introduzir a Agenda 2030 no planejamento público, apesar dos esforços da sociedade civil organizada, da insistência das agências das Nações Unidas e de algumas instâncias do Estado brasileiro comprometidas com esta agenda de desenvolvimento.

É preocupante que o reposicionamento de diretrizes da política externa do governo interino de Michel Temer volte-se para um programa agudo na busca de tratados comerciais e bilaterais, adotando a diretriz neoclássica da macroeconomia em si, ao invés de colher o resultado da multiplicidade das microeconomias, da cultura, do intercâmbio científico, tecnológico e profissional, seja para fomentar a inovação ou garantir a saúde ambiental.

Enquanto os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável tem como base três pilares estruturantes e interconectados – econômico, social e ambiental – é grave pensar que, ao invés de priorizá-los como um guia orientador para o Brasil, prefiram aviltá-los através de ações monocórdicas.

O governo interino, para começar, compôs um ministério apenas de homens brancos, indicando seu descompromisso com a defesa da igualdade de gênero e da inclusão. Um Ministério que, evidentemente, não representa o Brasil.

Diante da nossa diversidade étnico-racial , e após os governos inclusivos anteriores, tal decisão entra em conflito com a essência da Agenda 2030, cuja missão é “não deixar ninguém para trás”, buscando a equidade de gênero, cor e raça, para fomentar uma sociedade plural democrática, saudável, educada, criativa e empreendedora.

Da mesma forma, se uma grande mudança é necessária nos padrões de consumo para garantir a sustentabilidade do planeta, o Brasil precisaria implementar políticas que priorizassem os investimentos em educação e cultura e não o contrário, como estamos observando.

Tais descasos com os princípios da Agenda 2030, certamente, serão refletidos no plano das Relações Internacionais e em oportunidades de cooperação que visam respeito e confiança entre nações a partir de novos paradigmas de investimento, produção e circulação de valores (materiais e imateriais).

O mesmo e a diferença

De fato, ao invés de priorizar o mapa de ações básicas oferecido pelos ODS, o Brasil optou por uma receita de austeridade cuja implementação exige e alimenta a redução de direitos, a apropriação de bens públicos e a desconsideração pelo desenvolvimento humano e ambiental.

Privatizar não é uma ação nova no Brasil, mas o foco e a escala das privatizações anunciadas, aliadas à flexibilização de leis trabalhistas, aumento de idade para aposentadoria, redução de investimento em saúde e educação, por exemplo, são antagônicos aos compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro.

Tais cortes em áreas essenciais representam economia de apenas dois bilhões, mas terão consequências dramáticas para milhares de pessoas e, certamente, não cobrirão o rombo nacional anunciado de 170 bilhões de reais. Não é cortando políticas e programas que visam reduzir desigualdades estruturantes e garantir direitos constitucionais que será sanado o endividamento crescente: tais ações irão, com certeza, retroceder na pauta do desenvolvimento sustentável.

Como sugere a Agenda de Ação de Adis Abeba de financiamento para o desenvolvimento, resolução firmada também em 2015, o governo poderia, por exemplo, promover a reforma tributária visando a progressividade fiscal, e inclusive, como demandado pela sociedade civil, utilizar arrecadações de tributos sobre transações financeiras para fomentar políticas de desenvolvimento sustentável, desonerando alimentos e o trabalho e tributando grandes fortunas. São muitos os caminhos alternativos aos cortes e ao crescente endividamento público, mas estes, obviamente, não interessam a setores aliados ao governo.

Já aprendemos muito sobre o que fazer e o que não fazer, nesse caminho acidentado para um desenvolvimento responsável e sustentado e é lamentável ver o Brasil retroceder.

O modelo de economia e geopolítica baseado em competição e conflito é seriamente questionado nas entrelinhas da resolução Transformando nosso Mundo: a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável.

Vale lembrar que mesmo sem ser crítico de estruturas cíclicas de sustentação das desigualdades, o conjunto da Agenda 2030 para os próximos 14 anos, que inclui também o Acordo de Paris sobre o Clima, exige mudanças de paradigmas na gestão pública que passam, inclusive, pela dimensão da linguagem e da cultura política de tal forma que, os acordos internacionais assinados pelo Brasil, ao invés de letras semimortas, passem a ser compromissos traduzidos em políticas, serviços e alocação de recursos que beneficiem o conjunto da população brasileira.

*Claudio Guedes Fernandes é economista da Gestos-Soropositividade, Comunicação e Gênero e da Campanha TTF-Robin Hood Brasil. Convidado do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI).

Fonte: Carta Capital