Acesso à energia: desafios para erradicar a exclusão elétrica

ODS 7: Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia, para todos Paulo Rocha* A pedido da Organização das Nações Unidas (ONU), a Agência Internacional de Energia (AIE) realizou...
[mk_fancy_title tag_name=”h2″ style=”false” color=”#a6ca3a” size=”22″ font_weight=”inherit” font_style=”inhert” letter_spacing=”0″ margin_top=”0″ margin_bottom=”10″ font_family=”Oswald” font_type=”google” align=”left”]

ODS 7: Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia, para todos

[/mk_fancy_title]

Paulo Rocha*

A pedido da Organização das Nações Unidas (ONU), a Agência Internacional de Energia (AIE) realizou levantamentos sobre o número de pessoas ainda sem acesso à energia no mundo e sem meios sustentáveis para aquecimento das habitações ou cozimento de alimentos. O estudo, chamado Energy for All: Financing for Poor (Energia para Todos: Financiamento para os Pobres, em livre tradução), realizado em outubro de 2011, baseou-se em informações oficiais dos governos e revelou dados alarmantes: quase 1,3 bilhões de pessoas ainda não têm eletricidade em suas casas e 2,6 bilhões de habitantes não dispõem de dispositivos limpos para cozinhar ou aquecer. Destes últimos, a grande maioria utiliza o carvão vegetal, altamente danoso à saúde e ao meio ambiente.

Em 2013, a AIE também publicou um estudo sobre a necessidade de investimentos globais para o acesso universal à energia sustentável. Seguindo a atual tendência, ainda haverá mais de um milhão de pessoas sem acesso em 2030 e serão necessários 48 bilhões de dólares anuais para o cumprimento da meta. O valor representa cinco vezes mais que o montante investido no mundo em 2009.

Parece muito. Entretanto, no mesmo ano, o Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou no documento Energy Subsidy Reform: Lessons and Implications (Reforma dos Subsídios Energéticos: Lições e Implicações) a estimativa de subsídios recebidos pelo setor energético, sobretudo fóssil, no planeta: 1,9 trilhões de dólares anuais. Ou seja: 38 vezes mais que o necessário para erradicar a exclusão elétrica.

 

A energia na América Latina

A América Latina tem uma situação privilegiada – pela diversidade de fontes e pela concentração populacional em áreas urbanas, os números da região são mais amenos. Somos 31 milhões de latino-americanos sem energia e 85 milhões sem métodos modernos para cozimento e aquecimento. O cenário é melhor do que os da Ásia e África, mas ainda assim extremamente desafiador, principalmente porque a exclusão elétrica está concentrada em pequenas comunidades isoladas e em condições de extrema pobreza – 26% da população rural ainda não têm acesso à energia na região, segundo informações da Electricity Access Database (base de dados sobre acesso à eletricidade) da AIE.

Nesses casos, o modelo de negócio de distribuição de energia não funciona. A conta entre o custo de instalação e a receita originada pelo serviço não fecha. Até hoje, na maioria dos países, as instalações remotas vêm sendo subsidiadas pelos cofres públicos ou pelos demais consumidores.

 

O cenário brasileiro

No Brasil, o responsável por levar energia às pessoas sem acesso é o Programa Luz para Todos. Criado por decreto federal em 2003, pelos dados oficiais, até 2015 atendeu mais de 2 milhões de famílias. O programa é coordenado pelo Ministério de Minas e Energia, conta com diversos subcomitês – nacional e regionais – e tem como executor as empresas concessionárias de distribuição.

A participação do governo federal no programa é de 72%, dos governos estaduais, 11%, e das concessionárias, 17%. Os recursos federais são provenientes da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e da Reserva Global de Reversão (RGR), encargos cobrados na conta de luz de todos os consumidores de energia elétrica.

Durante seus primeiros anos, o programa conseguiu bons resultados estendendo as redes de distribuição, sobretudo nas regiões rurais, mesmo com os elevados custos de instalação e manutenção, subsidiados pelas contas de energia. Com o Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC2), o Luz para Todos ganhou o desafio de implementar sistemas de geração de energia, a partir de projetos de geração descentralizada. Só assim seria viável alcançar as populações mais pobres e mais isoladas.

Se houvessem sido utilizadas tecnologias sustentáveis e acessíveis de geração de energia renovável em pequena escala, os custos teriam sido menores e haveria mais viabilidade técnica e econômica para garantir maior escala à política pública. Hoje, vemos que este teria sido o melhor caminho.

 

Desafios urgentes

Estatísticas da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) indicam que ainda temos quase 2,5 milhões de domicílios sem atendimento da rede elétrica, ao menos oficialmente. A maioria deles se encontra nas regiões Norte e Nordeste. São cerca de 10 milhões de pessoas que vivem na escuridão, aprofundando uma situação de desigualdade.

O grande desafio de momento é que as principais fontes de financiamento do programa, a CDE e a RGR, foram quase integralmente comprometidas para saldar os custos exorbitantes da geração de energia por fontes fósseis, em virtude da crise energética pela qual passa o país. O governo brasileiro defende ainda publicamente que as metas do Luz para Todos estão mantidas. Contudo, como não há previsão para a redução dos custos de geração no Sistema Integrado Nacional, a viabilidade do programa fica questionada e os “mais pobres dos mais pobres” continuam no escuro.

A boa notícia é que organizações da sociedade civil de todo o planeta têm assumido o desafio de não só levar a luz, mas também outros serviços básicos como acesso a água, saúde e educação, por meio do acesso à energia, a partir de fontes sustentáveis, às comunidades que vivem de maneira isolada.

Essas ações indicam que, mesmo com as limitações institucionais dos poderes públicos, é possível acreditar que será factível atender ao objetivo de assegurar até 2030 o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos. Mas o processo implicará um esforço de revisão de concepção e gestão de várias políticas empreendidas pelos setores no Brasil e no mundo.

*Paulo Rocha é diretor da Ku’erã Projetos Sustentáveis e coordenou a agenda de Energia da Fundación Avina entre 2011 e 2015.