Saiba como pedir dados de órgãos do governo

  por Camilo Rocha Instâncias públicas devem ser transparentes no Brasil, está na lei; como o cidadão comum pode tirar proveito disso? A Lei de Acesso à informação (LAI) entrou em vigor em maio de 2012 com o...

 

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por Camilo Rocha

Instâncias públicas devem ser transparentes no Brasil, está na lei; como o cidadão comum pode tirar proveito disso?

A Lei de Acesso à informação (LAI) entrou em vigor em maio de 2012 com o objetivo de melhorar a transparência dos órgãos públicos brasileiros e o acesso da população a seus dados.

De acordo com a legislação, qualquer cidadão pode solicitar informações da União, dos Estados e dos municípios, incluindo tribunais de contas e ministérios públicos, assim como de autarquias, fundações públicas, empresas públicas e de capital misto (como Sabesp ou Banco do Brasil). Quer saber quantas pessoas trabalham para a Câmara Municipal da sua cidade ou quanto foi a verba publicitária da Petrobras para 2015? A LAI garante seu acesso a esse tipo de informação.

De acordo com a Controladora-Geral da União (CGU), órgão do governo federal que monitora o patrimônio público e a transparência, foram registrados 300 mil pedidos de acesso somente ao Executivo Federal desde a estreia da lei. Ainda segundo o órgão, 98,24% das demandas foi respondida num tempo médio de 14 dias.

Por outro lado, a LAI não está disponível de maneira equilibrada pelo território nacional. Um ranking publicado pela CGU em maio de 2015 revela grandes diferenças entre estados e municípios pelo Brasil em diversos aspectos da lei. Estados como Amapá e Rio Grande do Norte, que tiveram nota zero no ranking, sequer regulamentaram a lei. Nesses lugares, ainda não foram contemplados itens básicos como a qual instância cabe o processamento de solicitações dos cidadãos ou quais os critérios para uma informação ser pública ou sigilosa.

Afora isso, diversos estados e municípios registram sites e ferramentas online que não funcionam ou dão erro. Isso quando há a opção online: prefeituras como a de Manaus demandam que o cidadão leve pessoalmente sua solicitação ao órgão público. Centenas de outras instâncias pelo país apresentam as mesmas limitações.

O Nexo preparou algumas dicas sobre como e porque você deve usar a Lei de Acesso à Informação.

FOTO: JUVENAL PEREIRA/CÂMARA MUNICIPAL DE SP

Câmara SP

É SEU DIREITO SABER COMO ELES VOTARAM

 

Olhe à sua volta, o que você quer saber?

Um dos usos mais interessantes da LAI é se informar sobre coisas na área onde você mora. Por exemplo, você pode solicitar à Secretaria de Obras da sua cidade informações sobre quanto está custando e qual o prazo da reforma da creche do seu bairro ou qual o orçamento da obra na escola do seu filho (se ela for pública). É possível também confrontar informações, como observa Marina Atoji, gerente-executiva da Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e membro do Fórum de Direito de Acesso a Informações Publicas. “Um relatório pode dizer que 80% da obra já foi concluída quando ela nem saiu da fundação”, exemplifica.

Bata no lugar certo

Quanto mais específica for sua solicitação, melhor. Pedir “dados sobre corrupção” para o Ministério Público não dará muito resultado. Procure sabe qual é o órgão, autarquia ou empresa mais apropriado para receber a solicitação que você quer enviar. Demandar dados sobre o abastecimento de água para a Prefeitura de São Paulo não adianta muito quando é a Sabesp que cuida dessa área. Nos sites, procure pelo botão “Acesso à informação”, geralmente verde. O site Acesso à Informação, do governo federal, possibilita enviar pedidos a dezenas de órgãos diferentes.

FOTO: BRUNO KELLY/REUTERS

EM MANAUS, SOLICITAÇÕES DE DADOS APENAS POR ESCRITO E PESSOALMENTE

 

Muitos dados não significam todos os dados

Muitas empresas e órgãos já praticam a chamada “transparência ativa”, ou seja, publicam espontaneamente informações como verbas, estrutura interna ou número de funcionários. Isso não significa, porém, que não existam outros dados a serem conhecidos nem que estes não possam ser solicitados. É o que se chama de “transparência passiva”, que depende de um pedido externo para vir à tona. Como lembra o site Acesso à Informação, do CGU, “o acesso é a regra, o sigilo, exceção”. Ainda assim, há uma relação de casos em que as informações podem ser mantidas em segredo. Por exemplo, se os dados colocam em risco planos ou operações das Forças Armadas ou se colocam em perigo a vida, segurança ou a saúde de pessoas.

Qualquer meio vale para pedir informações

Nos melhores casos, empresas e órgãos contam com ferramentas online operantes onde o cidadão pode facilmente escrever e enviar sua solicitação. Mas, na maioria das vezes, o usuário irá se deparar com sites onde é difícil encontrar o formulário digital para a solicitação, páginas que dão erro, comandos que não funcionam ou mesmo a ausência da alternativa online. Segundo Marina, da Abraji, e-mail, fax ou carta, enviada à instância ou entregue pessoalmente, também são meios válidos para enviar uma solicitação. No caso da carta, a especialista recomenda fazer duas cópias e obter prova de que o documento foi recebido (como um Aviso de Recebimento, no caso dela ser enviada pelo correio).

“Não sei escrever bonito”

Muita gente se intimida na hora de se comunicar com instâncias oficiais pois acha que é preciso escrever de maneira formal e empolada, lembra Marina Atoji, da Abraji. Um dos motivos é que as próprias instâncias muitas vezes se utilizam de linguagem complicada. Acontece que isso não deve ser impedimento para se fazer um pedido de informações. A linguagem pode ser simples e direta e não há problema se o português não estiver perfeito. O que vale é o significado. É recomendável também não misturar diferentes solicitações no mesmo texto, limitando-se a uma solicitação por envio.

FOTO: SERGIO MORAES/REUTERS

Escola pública

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Não use a LAI para queixas ou reclamações

Os canais oficiais recebem grandes quantidades de solicitações que não fazem sentido ou não se enquadram no escopo previsto pela lei, como reclamações sobre um buraco na rua ou falta de luz no bairro. A LAI, não esqueça, trata de “informação”, que pode ser exemplificada de diversas formas: desde a informação produzida por ou pertinente a órgãos ou entidades públicas até a informação em poder de uma pessoa física ou jurídica que está relacionada a órgãos e entidades públicos. Podem ser ainda informações ligadas ao uso de recursos públicos, contratos administrativos e licitações e informações sobre políticas públicas, inspeções e auditorias.

Não se justifique

Você não é obrigado a explicar o motivo de seu pedido nem a fornecer informações extras depois de enviá-la. Pessoas de qualquer idade ou nacionalidade podem fazer pedidos de informação pela LAI, assim como pessoas jurídicas como empresas ou organizações. Lembre-se do que representa a transparência: não é você quem deve explicações, são eles.

Meu pedido foi negado, e agora?

Caso você receba uma negativa, a Controladoria-Geral da União aponta quatro sucessivas instâncias a quem se pode recorrer, nesta ordem:

  • A autoridade em posição hierárquica logo acima da instância a quem você enviou seu pedido;
  • A autoridade máxima do órgão ou entidade;
  • A Controladoria-Geral da União;
  • A Comissão Mista de Reavaliação de Informações.

Use a LAI!

Muitas vezes, achamos que escrever um textão no Facebook cumpre um papel cívico. Usar a Lei de Acesso à Informação para monitorar gastos públicos, esclarecer-se sobre políticas e movimentos de empresas públicas, conhecer o funcionamento de instâncias governamentais e, principalmente, criar uma cultura de transparência e clareza não gera “likes” mas muitas vezes pode ser mais eficaz como exercício de cidadania. Há muito o que se fazer para ampliar o alcance e bom funcionamento da LAI no país, mas isso só acontecerá mediante pressão. “Se não tiver demanda, o poder público não vai se mexer”, lembra Marina Atoji, da Abraji. “Os países com melhores indicadores de desenvolvimento humano, apontados também como os menos corruptos, são aqueles que adotam práticas e leis de transparência há mais tempo”, disse em entrevista ao jornal Zero Hora, Fabiano Angélico, autor do livro Lei de Acesso à Informação: Reforço ao Controle Democrático.

 

Fonte: Nexo