Seguindo o mesmo modelo da OIT, a CEPAL criou o Observatório COVID-19 na América Latina e Caribe, disponibilizando dados sobre as medidas adotadas por meio de mapas temáticos e planilhas. As ações informadas são atualizadas diariamente e de forma automatizada. Os mapas das figuras que seguem mostram uma escala de número de ações implementadas nos países no geral e com foco em proteção social. Os mapas das demais áreas podem ser acessados diretamente no link do Observatório.
A noção de proteção social para o monitor da OIT é mais ampla do que aquela adotada para a classificação da Cepal. Para a OIT, ações de proteção social são classificadas por funções, como proteção ao emprego e à renda, saúde, educação, alimentação e nutrição, dentre outras que fazem parte do conceito mais amplo. O observatório da Cepal faz uma divisão entre essas áreas, classificando como proteção social medidas ligadas à transferência de renda, acesso aos serviços básicos e distribuição de alimentos.
Na proteção social, o Brasil foi o país com mais medidas, 28 ao total, seguido de Honduras com 21 medidas. Dentre as ações categorizadas pela Cepal, tem-se:
a) Transferências de dinheiro novas transferências, aumento nas transferências existentes, expansão das transferências de dinheiro para novos destinatários, desembolso antecipado de transferências, com maior número de medidas adotadas por Argentina, Peru, Colômbia e Guatemala.
b) Transferências de alimentos ou em espécie, que teve maior número de medidas adotadas em Honduras (14 ao total);
c) Garantia de serviços básicos com Cuba tendo 5 medidas nessa área, mas dando ênfase às medidas adotadas pela Argentina que visaram não somente a redução ou suspensão dos pagamentos dos serviços básicos, como também programas voltados para fornecer acesso à internet e telefone para a população mais vulnerável.
Com base nos dados do observatório da Cepal, as medidas na área de gênero tiveram destaque na Argentina e Costa Rica, com ações que servem de exemplo para outros países. Do total de 35 ações, chama a atenção que 9 referiam-se à proteção da mulher contra violência e 12 estavam ligadas à “economia do cuidado”, ou seja, decretos e resoluções foram emitidos ao longo de 2020 pelos
diferentes Ministérios com objetivo de proteger o emprego e a renda dos responsáveis pelos cuidados com crianças, cuja presença no domicílio fosse indispensável e programas de atenção às trabalhadoras domésticas que demandam atenção especial pelo risco da sua profissão (RUBIO et al. – UNICEF, 2020).
Não somente a Argentina e a Costa Rica, mas inúmero países adotaram medidas para o combate à violência contra as mulheres, ampliação das campanhas e mecanismos de denúncia de atos de violência contra LGBTQI. Outras ações deram-se na área de proteção do emprego e renda de mulheres e grupos em vulnerabilidade, ampliação de benefícios e transferências de renda, assim como participação das mulheres na era digital. O quadro que segue traz as ações inovadoras em relação ao gênero nesses dois países que foram destaque.
Sobre os programas de alimentação escolar, Rubio et al. (2020), em publicação do UNICEF, destaca que estes – sejam novos ou já existentes nos países – são medidas extremamente importantes de proteção social adotadas durante a pandemia. São programas de caráter universal e buscam garantir que todos os estudantes do sistema público de educação tenham acesso a alimentos nas escolas, independentemente das condições sociais e econômicas. As adaptações realizadas nos países da ALC para que houvesse a continuidade destes no período de isolamento social foram essenciais, contribuindo com a agilidade da
resposta, uma vez que muitos alimentos já estavam nas escolas e sua distribuição local seria a forma mais rápida e viável.
Como já analisado em publicação anterior sobre ações de Recuperação Econômica, os programas alimentares são instrumentos de mobilização e fortalecimento da economia local. No Brasil, buscou-se manter a distribuição de frutas e hortaliças frescas sempre que possível, dando preferência às compras públicas da agricultura familiar.
Ainda na Colômbia, destacam-se as ações desenvolvidas pela gestão municipal de Bogotá, através do Plano Bogotá Cuidadora, que além de ações para a recuperação econômica da cidade, preconizou a organização de uma rede de cuidado por meio de uma plataforma participativa. Por esta plataforma, a população de Bogotá pode oferecer e solicitar apoio nas mais diferentes áreas, como: vestuário, aquisição de alimentos, apoio para aprendizagem, acesso a produtos de higiene (máscaras e produtos de limpeza), transporte, apoio à saúde, bem como acompanhamento psicológico, jurídico e espiritual.
Além da dimensão do cuidado social, o modelo de Bogotá traz um planejamento para a recuperação econômica, com ações voltadas para empresas, pessoas, proteção do emprego e renda para diferentes setores econômicos do município, tais como atividades culturais e artísticas, gastronomia, microempresas, comércio, construção civil, etc. Um plano de escala municipal pode servir de evidência para muitos municípios brasileiros justamente pelo foco em problemas locais e estratégias próprias de superação da crise social e econômica provocada pela pandemia.
No campo econômico, Brasil, Argentina, Costa Rica e Colômbia foram os países que mais tiveram ações desenvolvidas – entre 65 e 86. No Brasil, foram 86 medidas econômicas reportadas pela Cepal, sendo 37 delas classificadas como política empresarial, 22 política monetária, 16 política fiscal, 8 diversas, 1 restrição da atividade econômica, 1 controle de preços e quantidade, 1 regulamentação do mercado de produtos de higiene e limpeza. Na área de proteção do emprego, os dados mostram que o Brasil também foi o campeão de medidas adotadas, sendo ao todo 24.
Na saúde, Chile, Brasil e El Salvador foram os países com mais ações desenvolvidas – de 66 a 88. Chama atenção que o Chile implementou 53 medidas classificadas como “quarentena obrigatória”, considerando a situação de disseminação do vírus nas suas diferentes regiões ao longo do tempo. O país também merece destaque em estratégias voltadas à ampliação de testagem, bem como melhoria da estrutura hospitalar e, para o ano de 2021, a ampla campanha de vacinação da população contra COVID-19.
No entanto, é importante lembrar que o Chile não possui um sistema universal de saúde pública, como o SUS no Brasil, o que, em situações de crise sanitária, demanda mais recursos e ações de emergência para o combate à pandemia. O Brasil possui um sistema de acesso universal, qualificado e com atuação em todos os municípios. Ainda que tenha problemas e limitações de atendimento, especialmente de média e alta complexidade, o SUS é um modelo de acesso à saúde no mundo.
Como já havia sido levantado pelo Monitor de Proteção Social da OIT, a educação foi uma das áreas com menor número de medidas no mundo, não sendo diferente na América Latina e Caribe. É fato que a maior parte dos países acabou suspendendo as aulas presenciais diante dos primeiros casos de COVID-19 nos seus territórios, o que foi postergado inúmeras vezes ao longo do ano de 2020 e permanece em 2021, ainda sem planos e perspectivas de organização.
No entanto, para ressaltar as medidas inovadoras para a educação na América Latina que possam servir de aprendizado para os demais países, o monitor da OIT traz o destaque de El Savador, com um total de 22, sendo 13 destas voltadas para o fornecimento de instrumentos para a educação a distância (plataformas online, TV rádio, materiais instrucionais, etc), e ações como manutenção do programa de alimentação escolar e aplicação de testes de aprendizagem.
O Brasil não adotou muitas medidas para a área da educação, ficando sob responsabilidade de estados e municípios a implementação de estratégias de retomada das aulas, diante da realidade de contaminação de cada território. Conforme o UNICEF (2020), antes da pandemia, 4,8 milhões de estudantes brasileiros não tinham acesso à internet em suas residências – o que traz um impacto muito forte nas oportunidades de aprendizagem nesse período.
A PNAD-Covid, de agosto de 2020 mostrou que durante a pandemia 4 milhões de estudantes do ensino fundamental (14,4%) estavam sem acesso a nenhuma atividade escolar, sendo a maioria negros, vivendo em famílias com renda domiciliar inferior a ½ salário mínimo. As estratégias implementadas em El Salvador podem servir de exemplo para ações de proteção social que coloquem a educação como prioridade tanto para o Brasil como para os demais países da América Latina.
O Auxílio Emergencial no Brasil, mostrou a necessidade de desburocratizar e reduzir alguns condicionantes de programas de atendimento a pessoas em situação de vulnerabilidade social. O Bolsa Família, por exemplo, ainda que seja uma política modelo de transferência de renda, é destinada a famílias com crianças em idade escolar, porém, a pandemia mostrou um contingente enorme de trabalhadores e trabalhadoras informais, sem garantias de emprego e renda e que com as medidas sanitárias de distanciamento tiveram seus rendimentos prejudicados, sendo assim elegíveis ao auxílio emergencial.
As políticas alimentares como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) foram ampliadas e reorganizadas para fomentarem as economias locais, bem como para atenderem as demandas nutricionais de crianças e adolescentes que não tiveram mais acesso à alimentação nas escolas fechadas. Da mesma forma, toda a estrutura da Assistência Social, seus Centros de Referências (CRAS e CREAS) e demais equipamentos dessa rede foram fundamentais na atuação na pandemia, justamente por estarem de forma mais direta nos territórios que mais necessitam.
Portanto, as estruturas organizacionais de outras políticas de proteção social no Brasil foram fundamentais para dar respostas às consequências sociais e econômicas da COVID-19. Bolsa Família, PAA, PNAE, Cadastro Único, SUS e SUAS foram, são e serão fundamentais para o país refletir sobre um plano de retomada econômica, social e sanitária, ampliando os programas de transferência de renda, qualificando as estruturas e equipamentos do SUS e da Assistência Social e trazendo a educação como área prioritária para um modelo de desenvolvimento, sem deixar ninguém para trás.