Desenvolvimento de Políticas Públicas Locais e Receitas Próprias

Os municípios brasileiros recebem repasses de receitas do governo federal e do governo estadual em cotas-parte ou através de fundos. Além deste montante, o total de receitas municipais é formado também pelas receitas próprias. Para...

Os municípios brasileiros recebem repasses de receitas do governo federal e do governo estadual em cotas-parte ou através de fundos. Além deste
montante, o total de receitas municipais é formado também pelas receitas próprias. Para arrecadação das receitas próprias faz-se necessário observar o fato gerador dos tributos e sua respectiva base de cálculo. Isso quer dizer que as administrações públicas locais, no caso do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) por exemplo, devem ter ações para ampliar a base de imóveis cadastrados e, simultaneamente, incrementar as variáveis que formam a base de cálculo (valor venal, alíquotas, formas de pagamento). Esses dois grupos de ações, são a concretização do esforço fiscal, que é a capacidade da administração pública para arrecadar: a razão das receitas atualmente coletadas sobre as receitas potenciais mensuradas pela base tributária disponível (MORAES, 2006).

As taxas, contribuições e também os impostos como Imposto sobre serviços (ISS), Imposto de transmissão de bens imóveis (ITBI) e o já mencionado IPTU, entre outros, formam uma importante fonte de receitas para os municípios: as receitas próprias. São estas fontes, arrecadadas pela gestão local, que permitem discricionariedade no uso, sendo imprescindíveis para a implementação de políticas públicas municipais. No país, há diferenças regionais importantes a serem consideradas quando se deseja traçar parâmetros de comparação da arrecadação dos municípios. Municípios menores, notadamente com menor capacidade institucional, não conseguem alcançar os valores de arrecadação per capita de municípios maiores. Além disso, a concentração de empresas e indústrias, o maior nível de atividades econômicas e, por exemplo, a valorização de áreas pela proximidade com o mar, são alguns dos inúmeros fatores que podem influenciar no potencial de arrecadação municipal. O que faz com que no Brasil a base tributária disponível, a estrutura de impostos existentes e o esforço fiscal sejam bastante divergentes entre os municípios (GREMAUD, et. al, 2020).

Essas informações corroboram com os dados do Tesouro Nacional. No caso específico das Receitas Tributárias – IPTU per capita de 2019. A partir de uma comparação com estados de número proporcional de municípios (MG, RS e SP), observa-se a amplitude que os valores totais de arrecadação, na mesma faixa populacional, alcançam. Tomando como exemplo os municípios entre 20 mil e 50 mil habitantes, há uma diferença importante entre o valor médio, mínimo e máximo de IPTU (per capita) arrecadado dos municípios de Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Especialmente em Minas Gerais, nota-se que a arrecadação média em várias faixas populacionais é menor em relação aos municípios gaúchos e paulistas, indicando que existe potencial de arrecadação A eficiência na arrecadação de tributos próprios é um objetivo a ser alcançado mesmo antes da pandemia do novo coronavírus, mas torna-se ainda mais importante para embasar a recuperação econômica.

Neste artigo, apresentamos dois casos de municípios brasileiros com arrecadações tributárias bastante distintas, mas que implementaram ações para incrementar seu esforço fiscal. Com o aumento do recurso disponível, puderam implantar ações e políticas de desenvolvimento econômico e social. Barbalha, no Ceará, nos mostra como a organização dos tributos municipais é fundamental para o desenvolvimento de políticas públicas locais. Já Maricá, no Rio de Janeiro, é um dos campeões brasileiros de receita proveniente de royalties do petróleo, o que lhe dá margem orçamentária para criar políticas de proteção social e desenvolvimento do comércio local, sendo um reconhecido caso de transferência de renda municipal.

Barbalha (CE) – Arrecadação própria é a base para financiar políticas e ações locais

Aprimorar a arrecadação de tributos municipais não é uma tarefa simples. Mas, quando a engrenagem começa a funcionar, os resultados compensam. Em Barbalha, na Região Metropolitana do Cariri, no sul do Ceará, houve um aumento de 100% na receita tributária entre 2016 e 2019. O IPTU cresceu de R$ 155,8 mil em 2017 para R$ 760,4 mil em 2019, graças a novos cadastros de imóveis, especialmente com a expansão do mercado imobiliário com loteamentos, e à reposição de perdas inflacionárias, com um reajuste de tarifas em 2018. Como a cidade ainda tem muito potencial inexplorado, há um esforço constante para a continuidade dos cadastros de imóveis. Mesmo com todo o esforço, a inadimplência ainda é alta: em 2020, apenas 19,6% dos imóveis pagaram os boletos do IPTU. Dos mais de R$ 2,5 milhões lançados, R$ 497,7 mil foram pagos – um valor ainda menor que no ano anterior – como consequência direta da perda de renda local com a pandemia.

Em outra frente, a prefeitura também está atenta ao aumento da arrecadação com o ISS, que pulou de R$ 4,8 milhões em 2017 para R$ 7,1 milhões em 2019. Em 2017, a Câmara Municipal aprovou uma lei que começou a vigorar no ano seguinte, e unificou as alíquotas de ISS em 5%. Antes, algumas atividades pagavam 2%. Fiscais municipais também autuaram empresas que declaravam faturamentos diferentes para a cidade e para a Receita Federal.

O setor de comércio e serviços é forte em Barbalha, que tem 61 mil habitantes. Conurbada a Juazeiro do Norte e Crato, a cidade está em uma mancha urbana que soma cerca de 500 mil pessoas. A região é um dos polos de turismo religioso no país, com as peregrinações à estátua do Padre Cícero em Juazeiro; Crato tem também uma imagem popular de Nossa Senhora de Fátima, e Barbalha vai construir um Santo Antônio. Além do turismo religioso, a região do Cariri é considerada o “oásis do sertão”, e tem um turismo ecológico relevante para os municípios. Com a redução do fluxo de pessoas por causa da pandemia, o turismo na localidade foi reduzido drasticamente.

Além do turismo, Barbalha se destaca na área da saúde, com uma boa infraestrutura hospitalar. A nova gestão está investindo em um distrito
industrial municipal com uma área específica como polo de saúde. “Estamos apostando também em uma parceria com o governo do estado. Barbalha vai receber uma nova rodoviária e terá uma obra de saneamento para um canal que passa pela cidade”, diz Tiago Pereira, secretário municipal de Desenvolvimento Econômico.

A nova gestão também está investindo para estreitar os laços do desenvolvimento econômico com Juazeiro do Norte e Crato. A amizade entre os secretários, contemporâneos da universidade, agilizou as conversas, que vão resultar em um Plano de Desenvolvimento Econômico Regional para o Cariri. Nele estão previstas ações como um consórcio para a instalação de um novo aterro sanitário, a expansão de um parque de energia solar e a chegada do gás natural à região. Espera-se que as iniciativas na área energética estejam consolidadas até 2023.

O transporte terrestre também deve ser beneficiado pelo plano, com a construção de um anel viário no cinturão entre as cidades de Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha, facilitando as entradas e saídas terrestres da região. E os diálogos entre as três cidades não ocorreram apenas na área de desenvolvimento econômico, mas também com turismo e cultura, em que as secretarias formaram um fórum.

Sede da Central de Abastecimento (Ceasa) e da Embrapa na região, Barbalha está construindo o projeto municipal Reforma Solidária. A ideia é disponibilizar áreas para agricultura familiar com acompanhamento técnico e estruturação hídrica. Da produção, 10% serão revertidos para a assistência social, diretamente para os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e as cozinhas comunitárias. A secretaria de agricultura está selecionando agricultores e entidades de assistência social que podem receber os alimentos. Na frente de pesquisa, a Embrapa realiza pesquisas para a retomada da cultura do algodão, que já foi o “ouro branco” do Ceará nos anos de 1950, 60 e 70. Assim, o município poderá diversificar um pouco sua matriz econômica, gerando empregos e renda.

A diversificação da matriz econômica de Barbalha, associada ao potencial turístico e de serviços da região de Juazeiro do Norte, mostra que ainda há espaço para qualificar o processo de recuperação econômica, assim como para a ampliação das receitas municipais. No caso de Barbalha, os dados da Secretaria do Tesouro Nacional apontam que, para a realidade regional
(Região – laranja) e em relação aos municípios da mesma faixa de população e estado (UF/Pop – roxo), a arrecadação por Receitas Tributárias evoluiu nos últimos anos.

É preciso salientar que os municípios não geram receitas da mesma maneira, ainda que tenham populações similares. Esta diferença evidencia as desigualdades regionais em relação às finanças públicas municipais, mas também em relação às capacidades institucionais e ao aparato da máquina pública.

Maricá (RJ) – Programa de transferência de renda e estímulo ao comércio local

Em meio aos desafios da pandemia de Covid-19, saber que uma cidade está conseguindo manter um saldo positivo na geração de empregos chega a dar alívio. Essa exceção vem de Maricá, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O município se tornou um modelo de proteção social, especialmente durante os duros tempos da pandemia. Mas engana-se quem imagina que existe alguma medida imediatista ou tirada da cartola. Os bons resultados colhidos por Maricá são – previsivelmente – consequência de anos de trabalho.

Maricá tem um projeto municipal de renda mínima que, antes da pandemia, já pagava cerca de 150 mumbucas mensais para famílias em situação de vulnerabilidade. Com o aumento dos casos de Covid-19, ainda em março/abril de 2020, a primeira medida foi aumentar a renda mínima para 300 mumbucas. As mumbucas são a moeda social municipal em vigor desde 2013. “A mumbuca é uma moeda eletrônica, que funciona com cartão e aplicativo. Com ela, as pessoas podem fazer compras, pagar pelos serviços. O número de estabelecimentos que aceitam a moeda é superior ao número de maquininhas tradicionais. É algo difundido e incorporado pelo cidadão”, explica Igor Sardinha, secretário de Desenvolvimento Econômico de Maricá. Segundo ele, fortalecer o programa de transferência de renda foi a forma mais simples e direta de proteger as camadas mais pobres da população da cidade, que tem quase 165 mil habitantes.

Um dos princípios da mumbuca é não apenas ser parte do programa de transferência de renda, mas também estimular a economia local. Quem recebe o benefício social da prefeitura só pode gastar as mumbucas na própria cidade. Não é possível trocá-las por Reais. Apenas quem recebe as mumbucas – comerciantes, prestadores de serviços – conseguem fazer essa troca. O modelo bem-sucedido das mumbucas já valeu a Maricá reconhecimentos nacionais e internacionais. No final de março, o secretário Igor Sardinha participou do Istanbul Innovation Day 2021, um evento organizado pela ONU para impulsionar parcerias e expandir fronteiras sobre projetos de desenvolvimento econômico. Um dos destaques de sua participação foi exatamente a mumbuca.

Além de aumentar o valor mensal do benefício social, Maricá atuou rapidamente em outras frentes para proteger trabalhadores informais e pequenas empresas – muito atingidos desde o começo da pandemia. O Programa de Amparo ao Trabalhador (PAT) passou a pagar um salário-mínimo mensal em mumbucas aos informais. “Desenvolvemos rapidamente um software para que trabalhadores informais da cidade pudessem se cadastrar. Flexibilizamos os documentos necessários para
que pudessem comprovar a situação informal. Valiam conversas de WhatsApp mostrando a prestação de serviços, páginas de Facebook dos pequenos negócios, etc. Não tínhamos como mandar equipes in loco para fazer visitas em um cenário de pandemia”, explica Sardinha.

Em paralelo, a prefeitura criou também o Programa de Amparo ao Emprego (PAE) para evitar demissões e subsidiar a folha de pagamento das empresas, possibilitando a flexibilização dos documentos enviados pelo empregador para comprovar o vínculo. O PAE permitiu realizar o pagamento de um salário mínimo mensal aos funcionários, também em mumbucas, desde que a empresa assumisse o compromisso de não demitir por pelo menos seis meses. A ideia da cidade é manter todos os programas de proteção social enquanto a pandemia continuar.

Outra iniciativa implementada em Maricá foi um programa de crédito emergencial para o setor produtivo da cidade, com empréstimos de até R$ 40 mil com juro zero, um ano de carência e três anos para pagamento, com intuito de dar condições para os empregadores da cidade manterem os
empregos e as empresas funcionando. Inicialmente o programa foi ofertado para a modalidade de micro e pequenas empresas, sendo concedidos mais de 350 créditos; atualmente oferecem empréstimos para cerca de 280 MEIs do município.

Para o longo prazo, a preocupação de Maricá é investir em ciência e tecnologia para fortalecer o desenvolvimento e mudar a matriz econômica. Maricá é uma cidade praiana, repleta de trabalhadores informais, e está diante de campos do pré-sal. Atualmente, cerca de 70% da receita municipal vêm do recebimento de royalties do petróleo. É isso, inclusive, que permite à cidade realizar todos os programas de proteção social. “Temos recursos para instrumentalizar políticas públicas que possam mudar a matriz econômica. Antes, éramos uma cidade dormitório, mas começamos a inverter esse quadro e Maricá foi a cidade que mais gerou empregos no Estado do Rio de Janeiro nos últimos quatro anos”, afirma Sardinha.

Maricá e outros municípios do estado do Rio de Janeiro são considerados “pontos fora da curva” ou outliers, já que na composição das suas receitas há um percentual elevado de transferências correntes, provenientes de arrecadação sobre a produção de petróleo, os royalties. No gráfico 3, é possível observar os percentuais de composição de royalties nas receitas
totais no ano de 2019, 17 municípios do estado tinham 25% ou mais da receita proveniente de royalties de petróleo. Em 2019, Maricá teve quase 70% da sua receita proveniente de royalties de petróleo, ficando em primeiro lugar no estado do Rio de Janeiro em % de arrecadação por royalties na receita total.

Entre 2016 e 2019, o município a receita total de Maricá aumentou consideravelmente. Em 2019, Maricá ultrapassou a média composta pelas receitas dos municípios da mesma região. Quando comparada a outros municípios do Rio de Janeiro com população similar, o município apresentou receita duas vezes maior. Em relação ao grupo comparativo
“População” que é dado pela média da receita de todos os municípios brasileiros com população similar à de Maricá, é possível perceber o quanto a cidade tem receita superior e é, de fato, um ponto fora da curva.

É necessário, portanto, ter em mente que a cidade de Maricá tem capacidade de financiamento de políticas de proteção social e recuperação econômica muito acima da média. No entanto, a experiência de Maricá abre o caminho de possibilidade para a gestão municipal criar ferramentas
de incentivo ao desenvolvimento local, seja por crédito ou programas próprios de manutenção do emprego e da renda e de proteção social.

O QUE OS MUNICÍPIOS PODEM FAZER?

  • Diagnóstico das contas públicas;
  • Ampliar a arrecadação a partir da Dívida Ativa;
  • Incentivos a formalização e regularização dos empreendedores locais (principalmente MEIs) e pequenas empresas;
  • Qualificação dos servidores públicos para o apoio à gestão municipal no desenvolvimento de políticas públicas locais

Quer saber mais? Acesse a publicação “Recuperação Econômica Inclusiva: Um guia com boas práticas e soluções para municípios com referências e aprendizados”.