O arcabouço teórico que embasa as prescrições de política econômica do governo Bolsonaro, tais como a reforma da Previdência e outras tantas de corte de gastos, está em crise. A grosso modo, este arcabouço propõe que os gastos do governo possuem efeitos colaterais na economia. Deslocam recursos de investimento da atividade privada (efeito crowding out) e que o déficit fiscal é um vilão, no sentido que pode levar o Estado a insolvência. Os economistas que adotam este pensamento passam ao público em geral a ideia de que o orçamento do Estado funciona como o orçamento familiar. Ou seja, se uma família gasta seguidamente mais do que recebe, em algum momento terá dificuldades em honrar seus pagamentos e manter seu padrão de vida. Logo, esta lógica também se aplica ao Estado.
É de certa forma consenso entre os economistas que os gastos públicos desempenham papel importante na economia. Restava saber se o Estado possuí restrições financeiras e se de fato o gasto provoca os efeitos colaterais mencionados acima. Algumas das pesquisas mais recentes em economia sugerem que não. A diferença fundamental, para esta linha, reside no fato de que o Estado paga suas dívidas na moeda em que emite. A família não. “Mas moeda causa inflação!” brada o leitor furioso, já quase desistindo do texto. Poderíamos entrar nas minúcias da lógica que sustenta que tal entendimento é falso, mas, o texto ficaria demasiadamente extenso. Por ora, transcreve-se a frase do economista e um dos arquitetos do Plano Real, André Lara Resende, publicado recentemente em um artigo seu no jornal Valor Econômico: “Ao contrário do que se acreditou por muito tempo, a moeda não provoca inflação”.
Portanto, se de fato moeda não causa inflação e o Estado não possui restrição financeira na moeda em que emite o que sustenta as políticas de corte de gastos? A resposta é um grande NADA. Superadas estas celeumas seria possível voltar a atenção, não para o tamanho dos gastos, mas, para sua alocação. Entretanto, o que ainda é prática na proposição de política econômica no Brasil é: “enxugar a máquina”.
Os gastos auxiliam na sustentação do nível de emprego e o crescimento da atividade econômica. Se o Estado não gasta, a empresa, que seria contratada, por exemplo, para o fornecimento de algum serviço, não recebe. Não recebendo, não contrata, e os possíveis empregos que poderiam ser gerados, não o são. Este encadeamento se sucede por todos ou a maioria dos ramos de atividade, na medida em que, o volume e extensão dos gastos públicos perpassam por toda a economia. Neste sentido, reduzir os gastos públicos é o mesmo que reduzir a renda privada (famílias e empresas). Com a renda reduzida, famílias e empresas não mais podem fazer frente às dividas contratadas no passado. Seja a compra de uma casa nova por uma família ou até mesmo o financiamento de uma máquina realizado por uma empresa. Muito menos planejar compras futuras. O endividamento privado trava o sistema. A crise está instaurada.
Para contornar essa situação os gastos públicos devem caminhar na contramão dos ciclos da atividade econômica. Nos momentos de alta, o Estado deve controlar os gastos para que a demanda agregada não pressione a capacidade de oferta total da economia. Nos momentos de baixa, o Estado deve gastar como forma de manter a renda dos agentes privados. Políticas de renegociação de dívidas de empresas e famílias também devem ser feitas como forma de prevenir que o aumento do endividamento agregado trave o ciclo de compra e venda.
Dado o exposto acima é possível dizer que em momentos de capacidade ociosa de produção, implementar políticas de corte de gastos potencializam e agravam a crise e dificultam a retomada do crescimento. Tais políticas começaram no governo Dilma, ampliaram-se no governo Temer e no governo Bolsonaro se tornaram raisons d’être, encarnado na figura de Paulo Guedes no Ministério da Economia. Assim, a economia brasileira segue, aos trancos e barrancos em coma na UTI. Por vezes se vê algum movimento, mas nada que desperte muito ânimo.