Brasil foi o país da AL que mais investiu em proteção social em 2015, diz estudo das Nações Unidas

por Amelia Gonzalez Uma leitura otimista do último relatório da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) das Nações Unidas, que acaba de sair do forno, é que a desigualdade social na região não mudou muito...

por Amelia Gonzalez

Uma leitura otimista do último relatório da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) das Nações Unidas, que acaba de sair do forno, é que a desigualdade social na região não mudou muito em 2015 com relação ao mesmo período de 2014. Na verdade, houve até uma diminuição de desigualdade nos 22 países desse território depois da grande crise econômica mundial de 2008, segundo o estudo. Pequena diminuição, mas houve.

A má notícia para os brasileiros é que este cenário, que na verdade não é nem assim tão promissor, já que conserva e enraíza questões sérias de desigualdade, só se manteve por conta de algumas políticas governamentais de peso. Digo má notícia porque, no mesmo dia em que recebi o relatório do Cepal, recebi também mensagem com um estudo feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), denunciando que a proposta orçamentária que o Poder Executivo (governo Michel Temer) acaba de encaminhar para o Congresso reduz drasticamente o orçamento também para as políticas sociais, além de diminuir em investimento e tecnologias.

Isso mudará, portanto, a imagem do país no próximo relatório da Comissão. Com base nos dados colhidos em 2015, os gastos com proteção social significaram, em média, 5% do PIB na região. Contudo, o Brasil, assim como a Argentina, se destacaram como os dois países que destinaram mais recursos a esta função: 14,1% e 13,2%, respectivamente.  

Ao setor de Educação, o segundo mais importante a nível público, os dirigentes da região destinaram, em média, 4,6% do PIB. Quem se destacou foi a Bolívia, o país que mais investe em educação dentre todos os da América Latina e Caribe: 8,2% do PIB de 2014.Já os que mais investiram em Saúde foram Argentina (7,1%)  e Costa Rica (6,6%) , seguidos por Brasil (5,1%), Colômbia (4,9%) e Chile (4,4%).

Peru é o país que mais investe em Meio Ambiente, tendo destacado 1,4% do seu PIB para esta função, desvalorizadíssima por todos. Já para Habitação e Serviços Comunitários, os países da região destinaram, em média, 1% do PIB em 2015. Argentina concentrou 2,7% de seu PIB em 2015, seguida por Nicarágua e Costa Rica (2,3% cada).  

O tema central do Panorama Social da América Latina deste ano é a desigualdade social, este perverso fenômeno criado pelo sistema econômico, considerado como um forte obstáculo para o desenvolvimento sustentável imaginado pelas Nações Unidas. É preciso lembrar que a ONU criou os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), metas que devem orientar as políticas nacionais e as atividades de cooperação internacional nos próximos anos até 2030. Entre tais metas está o fim das desigualdades. E o Brasil participou ativamente de todas as negociações, que se encerraram em 2013.

Um dos pilares fundamentais, segundo o estudo do Cepal, para que se consiga avançar mais no encurtamento das desigualdades é oferecer às mulheres da região condições de ter trabalho e renda. Mas o quadro não está muito favorável. Diz o texto do relatório:

“Em geral, as mulheres têm menor acesso aos recursos produtivos, assim como aos recursos monetários, tanto quanto à capacitação e ao uso de tecnologias. Por outro lado, devido à sua alta carga de trabalho doméstico não remunerado, elas dispõem de menos tempo para si, o que não contribui em nada para melhorar sua capacitação e manter uma presença contínua no mercado de trabalho”.

O estudo da Cepal encontrou, em 15 países de América Latina e Caribe, na fração mais pobre, 44% de mulheres sem renda própria e 23% de homens na mesma situação. Levando em conta que 54% do volume total de dinheiro que essas pessoas têm vêm do trabalho, é fácil imaginar a desigualdade.

Diante desse quadro, de total privação de renda a não ser através de emprego, a conclusão também parece óbvia: os governos desses países precisam investir em políticas voltadas a ajudar os mais pobres para que se consiga, de fato, alcançar os ODS daqui a 13 anos (pouco mais de uma década). Ocorre que, segundo o estudo do Inesc que acaba de ser divulgado no site da organização, não é isso o que vai acontecer no Brasil em 2018.

“As políticas de enfrentamento à violência e de promoção de autonomia das mulheres, na proposta de orçamento 2018, sofrerão reduções orçamentárias de 74% (Programa 2016). Considerando que em 2017 o corte em relação a 2016 foi de 52%, podemos dizer que é a declaração do fim da política de promoção de direitos das mulheres no Brasil. A redução de recursos para programas sociais afetará mais as mulheres pobres e negras: por exemplo, também estão sendo feitos cortes no Programa Bolsa Família e na saúde. As mulheres, que estão expostas à maior vulnerabilidade, perderão também o direito às políticas específicas de combate a violência”, diz o texto da organização.

Foi de 11% o corte no Bolsa Família, de 12% o corte nos recursos do programa de promoção e proteção aos direitos humanos dos povos indígenas. Um programa que está indiretamente relacionado ao bem-estar social, como de mobilidade urbana,  sofrerá corte de 98% em relação a 2017. O Programa de Segurança Alimentar, que reúne iniciativas importantes de auxílio aos pequenos agricultores, terá seu orçamento reduzido em 85% num momento em que, como já foi noticiado, a fome volta a ameaçar famílias brasileiras.

Medidas diametralmente antagônicas ao que sugerem as Nações Unidas para os países da América Latina e Caribe, caso não queiram que seu discurso no sentido de avançar para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável fique no limbo, vire apenas uma retórica inútil.

Sem mais para dizer, num cenário político tão triste como o que estamos vivendo, resta terminar este texto com as orientações das Nações Unidas e uma profunda sensação de que nosso Executivo não vai considerá-las:

“Para avançar nos ODS como um todo, num cenário de menor crescimento econômico, é importante que os países tenham maiores recursos para o investimento social, que aumentem progressivamente a carga tributária e o viés anticíclico da sua política fiscal e que protejam o financiamento do núcleo de políticas sociais (em particular a erradicação da pobreza, garantia de direitos como um valor básico de proteção social, acesso à saúde e educação de qualidade, habitação e trabalho decentes.”

Fonte: G1