Relatório aponta distância de o Brasil atingir o desenvolvimento sustentável

Os abismos sociais entre ricos e pobres se aprofundam, consolida-se a exclusão histórica baseada em raças, etnias, identidade de gênero e orientação sexual; continuam os ataques às Unidades de Conservação, à legislação...

Os abismos sociais entre ricos e pobres se aprofundam, consolida-se a exclusão histórica baseada em raças, etnias, identidade de gênero e orientação sexual; continuam os ataques às Unidades de Conservação, à legislação ambiental. Os índices brasileiros de violência e desigualdades seguem entre os maiores do mundo e os problemas intensificam-se à medida que as lideranças políticas progressistas não conseguem produzir convergências, a sociedade civil é alimentada por fake news e o desmonte dos principais mecanismos de proteção social e ambiental, conquistados ao longo de décadas, avança”.

O cenário descrito acima é brasileiro. E quem dá o alerta é o Grupo de Trabalho da Sociedade Civil (GTSC) para Agenda 2030, no Relatório Luz 2018, que acaba de ser divulgado. O GTSC tem cerca de 40 membros de diferentes setores e foi formatado logo depois de a Agenda de Desenvolvimento ter sido oficialmente adotada pelos Chefes de Estado e de Governo do mundo todo na “Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável 2015”, que aconteceu na sede da ONU, em Nova York.

A Agenda substituiu os Objetivos do Milênio, metas que deveriam ter sido alcançadas em 2015, mas não foram. A Agenda acrescentou alguns desafios aos líderes das nações. O Brasil, porém, segundo o estudo, trilha um caminho, nos últimos três anos, absolutamente incoerente com aquele caminho proposto pela Agenda assinada em Nova York.

A primeira análise que o Grupo de Trabalho se propôs a fazer foi com relação à erradicação da pobreza, uma das metas apresentadas na Agenda assinada pelos países, entre eles o Brasil, é bom que se diga.

“Uma das ações mais opostas à Agenda 2030 promovida pelo atual governo (de Michel Temer) foi a aprovação, em dezembro de 2016, da Emenda Constitucional 95, que limitou o aumento dos gastos públicos à variação da inflação por vinte anos, seguida por uma série de outras propostas ao Congresso Nacional, algumas já aprovadas, como a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) a mais danosa aos interesses e direitos dos e das trabalhadoras pois, entre outras coisas, rebaixa a capacidade de negociação dos sindicatos e fragiliza o Trabalho diante do Capital, num contexto de crise e ameaça de desemprego”, diz o relatório.

De 2012 até o ano passado, a taxa de desemprego nunca esteve tão alta (12,7% em 2017), o que contribuiu para um acelerado crescimento da pobreza e da extrema pobreza nos dois últimos anos. Em relação à extrema pobreza, o país volta aos números de 2005, segundo o relatório. E, em relação à pobreza, aos de 2009.

“A pesquisa mostrou ainda que os 10% mais bem remunerados detinham 43,3% da massa de rendimentos, enquanto os 10% de menor renda ficaram com apenas 0,7% desta. O 1% mais rico teve rendimento 36,1 vezes maior do que o rendimento médio da metade de baixo da pirâmide social”, contam os pesquisadores.

Indo mais fundo nas origens da pobreza, os estudos deram forma às preocupações que vêm sendo motivo de recorrentes debates entre ambientalistas que defende a causa do desenvolvimento sustentável:

“A pobreza também se acentua a partir do modelo econômico, ancorado – entre outras monoculturas primárias –, no extrativismo mineral, que cresce de forma acelerada, incentivada e desorganizada em determinadas regiões, gerando graves impactos socioeconômicos, com forte aumento da desigualdade e gerando um crescimento econômico que concentra a renda”, diz o estudo.

Regiões que vivenciam o boom nos preços das commodities são exemplo claro do impacto causado pelas atividades de mineração. Em geral, as empresas levam ao local uma expectativa de desenvolvimento que é frustrada. Paralelo à chegada do empreendimento, o que se vê é uma espécie de corrida para ver quem consegue lucrar mais. Há especulação imobiliária, ocupações irregulares são construídas para fazer caber o exército de pessoas que se espera. Com a superpopulação, a região outrora pacata, que seguia seu rumo sem grandes saltos, acaba sendo vítima das mazelas das grandes cidades, sem ter se tornado uma.

A omissão do Estado brasileiro em garantir proteção social aos grupos mais vulneráveis só faz agravar um quadro de privações que se agiganta. Somente em 2019 é que serão disponibilizados os dados necessários para confirmar a advertência feita pelo mesmo Relatório Luz do ano passado: o Brasil vai acabar voltando ao Mapa da Fome, do qual saíra em 2014. O atual governo promoveu um desmonte de políticas que haviam dado certo neste sentido, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a Política Nacional de Assistência Técnica (Pnater), botando o país na contramão da história, segundo afirmam os pesquisadores. E não é difícil presumir que eles dizem a verdade, como demonstram os dados:

“Em 2012, por exemplo, o PAA executou R$ 800 milhões e atendeu 180 mil agricultores. Em 2016 seu contingenciamento reduziu esse total a 75 mil e, em 2017, um novo contingenciamento promoveu um drástico corte, baixando o número de agricultores beneficiados para 25 mil. Em 2018, a perspectiva é praticamente de extinção, com um orçamento de R$ 750 mil”.

Para não dizer que a visão é só pessimista, o relatório registra as melhoras que aconteceram nos dados de mortalidade materna, um dos ODS firmados em comum acordo pelos países da ONU. Em 2017 registrou-se 57.560 óbitos, enquanto em 2015 este número foi maior: 63.590. No entanto, ainda são índices altos.

Já que estamos na área da Saúde, vale lembrar outro dado do relatório que põe o país em má situação quanto a atingir os ODS, lembrando que restam ainda 12 anos para chegar lá. Mas é difícil imaginar que um país que destina apenas 7,7% de seu orçamento à saúde – taxa inferior à média mundial e uma das mais baixas das Américas – possa estar realmente preocupado em garantir o bem estar social à sua população.

Um número que também assusta abre o capítulo sobre Educação: no Brasil de hoje, 2,5 milhões de crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos estão fora da escola. Assim mesmo, os investimentos em educação representam 4,9% do PIB, diz o estudo. É preciso investir também na melhoria da infraestrutura escolar, alertam os representantes da ONU. E precisava alertar?

Talvez eu vá cansar o leitor se destrinchar ainda mais o relatório, que mostra o nível de privações a que o atual estado brasileiro anda submetendo cidadãos. Relatórios como este são importante fonte de informação e servem também para que pessoas comuns entendam que políticas públicas para reverter este quadro dependem daqueles que se elege como governante.

Amelia Gonzalez  (Foto: Arte/G1)Amelia Gonzalez  (Foto: Arte/G1)

Fonte: G1