Capital social: educação formal e empreendedora

Muitas Micro e Pequenas Empresas brasileiras estavam com suas contas no limite nos últimos anos. Diante da crise econômica decorrente da pandemia, os empreendedores ficaram ainda mais vulneráveis, com inúmeras dificuldades de gestão...

Muitas Micro e Pequenas Empresas brasileiras estavam com suas contas no limite nos últimos anos. Diante da crise econômica decorrente da pandemia, os empreendedores ficaram ainda mais vulneráveis, com inúmeras dificuldades de gestão de caixa dos seus negócios. Conforme estudo da Pulso Empresa: Impacto da Covid-19 nas Empresas, ainda em 2020, “Entre 2,7 milhões de empresas em atividade, 70% reportaram que a pandemia teve um impacto geral negativo sobre o negócio”, sendo que muitos acabaram fechando as portas entre 2020 e 2021.

Um dos pontos debatidos neste cenário foi a gestão dos pequenos negócios, principalmente com a necessidade de programas de financiamento a juros mais baixos, como o Pronamp, e de educação empreendedora para a sustentabilidade de novos negócios e empreendimentos já estabelecidos.

Mesmo antes da pandemia, instituições de fomento, bancos regionais de desenvolvimento e até mesmo a Caixa Econômica Federal já desenvolviam ações de capacitação ao empreendedorismo junto a programas de crédito.
Ainda em 2019, a Caixa lançou o Programa Caixa Mulheres, com a possibilidade de acesso ao crédito em condições específicas, com parcelas menores e apoio à capacitação para a gestão dos negócios. No caso das mulheres MEIs que estão iniciando suas atividades, a Caixa estipulou, como pré-requisito, para acesso às linhas de crédito uma capacitação em negociação reconhecida.

Também em 2019, o governo do estado de São Paulo lançou o Programa Empreenda Rápido29, em parceria com o SEBRAE, Desenvolve SP, Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp) e do Centro Paula Souza. A
partir do financiamento de crédito pelo Banco do Povo, o programa está organizado em seis pilares: capacitação empreendedora; formação técnica voltada à área do negócio; acesso ao crédito; apoio à formalização; acesso ao mercado e adoção de tecnologias e inovações, tendo como objetivo associar capacitação, atendimentos e oportunidade de crédito aos empreendedores do estado.

Sintonizados com ações de treinamento e qualificação da mão de obra, os programas de facilitação ao crédito reduzem a ênfase dada às firmas e dedicam maior atenção ao lado das empreendedoras e dos empreendedores. Estes programas precisam considerar também a
diversidade setorial dos negócios locais, qualificando quanto à modernização tecnológica, organizacional e de estratégias mercadológicas, mas também realizando o acompanhamento desses empreendedores locais (BRAGA, 2020).

Alinhar programas de crédito a capacitações sobre gestão é uma estratégia importante para auxiliar os pequenos negócios locais em todos os momentos econômicos. Os municípios podem elaborar programas de crédito em parceria com organizações sociais, universidades ou outros
atores locais que ofereçam as capacitações e qualificação da gestão dos negócios. Os cases apresentados a seguir mostram essas parcerias que Catalão (GO), Jacareí (SP) e São Paulo fizeram para o desenvolvimento da educação profissional e da qualificação de mão de obra.

O caso de Catalão (GO) – Investimento em educação profissional e qualificação de mão de obra

Catalão, em Goiás, fica numa posição bem central no país. E essa localização tem contribuído para receber migrantes de todas as partes do Brasil, principalmente do Maranhão, Pará, Piauí, Tocantins e do Norte de
Minas Gerais. Segundo dados do IBGE, enquanto a taxa média anual de
crescimento nacional é de 0,79%, o estado de Goiás registra 2,03%,
e Catalão chega a 4%. “Todo ano, Catalão recebe cerca de 4 mil novos moradores. Devemos ter um processo de crescimento que dê condições de absorver quem está chegando. Temos demandas grandes na área social, na habitação.

Por isso, esse crescimento, para nós, não é uma opção. Ele precisa ocorrer para dar condições para a cidade”, afirma Cairo Batista, secretário municipal de Indústria, Comércio e Turismo de Catalão.

Catalão tem economia diversificada, com a presença de grandes empresas. Nos anos 1970, a mineração de fosfato, nióbio, vermiculita e terras raras se destacava. Foi por aí que a economia local começou a se fortalecer. A indústria chegou nos anos 1990 e o distrito industrial, que pertence ao estado de Goiás, tem cerca de 40 empresas, entre elas a John Deere e a Mitsubishi. Foi um novo salto no desenvolvimento municipal, que hoje tem o agronegócio, especialmente com o cultivo de milho e soja, entre suas principais fontes de geração de empregos e renda. Nos últimos anos, também pelo estímulo das migrações, comércio e serviços aumentaram, e os setores supermercadista e da construção civil ganharam espaço.

Com tantas pessoas chegando de outros estados, nem sempre com nível satisfatório de escolarização, Catalão tem um desafio grande de qualificar a mão de obra. Mesmo com a pandemia de Covid-19, a cidade investiu em cursos profissionalizantes. Os cursos são gratuitos e funcionam por ensino à distância, com formações de 20 a 30 horas. Entre as opções disponíveis, há temas relacionados ao preparo de alimentos, gastronomia, coquetelaria, maquiagem e beleza, entre outros.

Além da qualificação por meio de cursos, a prefeitura investe também no Centro de Convivência do Pequeno Aprendiz. O espaço tem parcerias com cerca de 30 instituições e divulga empregos para adolescentes a partir dos 16 anos. Durante o mês de março de 2021, por exemplo, 15 jovens
conseguiram trabalho pelo Centro – mesmo com atividades presenciais suspensas em um dos períodos de auge da pandemia. A oferta de cursos e ampliação do serviço público do Centro de Convivência é um exemplo de atuação em rede.

O caso de Catalão se relaciona com todos os eixos destacados nesta publicação. Diante do crescimento da cidade, o poder público pôde contar com parcerias para desenhar, planejar e implantar soluções para os problemas, parceiros estratégicos como: o SENAC, universidades locais, grandes empresas como a Mosaic Fertilizantes e organizações do terceiro setor, a exemplo da Agenda Pública. Como destacado pela especialista Cidonea Deponti, as redes de inteligência para o desenvolvimento local estão baseadas na ideia de parceria entre universidade e o terceiro
setor – comunidade – entes públicos – empresas (setores econômicos do município).

Educação formal é ponto chave para voltar aos trilhos do desenvolvimento

Educação formal, qualificação profissional e empreendedorismo andam de mãos dadas com o desenvolvimento e a transformação digital. A pandemia da Covid-19 escancarou a exclusão digital no Brasil e suas consequências na educação, já que o fechamento das escolas e o modelo de ensino à distância adotado (majoritariamente pela internet) trouxeram perdas significativas para a aprendizagem e frequência, principalmente entre as populações mais vulneráveis. Sem acesso à internet ou equipamentos para acompanhar as aulas on-line, muitos estudantes abandonaram as escolas.

Os dados da PNAD Covid-19 destacados pelo Relatório do UNICEF “Enfrentamento da Cultura do fracasso escolar” (2021) mostram que em 2020 aproximadamente 5,5 milhões de crianças e adolescentes ficaram sem acesso à educação; entre 6 e 17 anos, a quantidade de alunos que abandonaram a escola foi de 1,38 milhão, ou seja, 3,8% dos estudantes,
superando a média de 2019 que era de 2%.

Os dados corroboram com a pesquisa do Todos pela Educação e da Editora Moderna (2020), que apontou as principais motivações dos alunos para deixarem a escola: 1) desejo de conseguir um emprego e 2) a falta de interesse nos estudos. São fatores que foram amplificados com a crise econômica das famílias mais vulneráveis durante a pandemia, já que muitos jovens precisaram buscar complemento de renda familiar, ou ainda, se dedicar a trabalhos domésticos e de cuidados com demais membros
da família, já que serviços de apoio também estavam fechados.

O retorno das aulas, o acolhimento e a necessidade de buscar ativamente os estudantes que evadiram, são aspectos e ações que devem ser observados pelos municípios para a recuperação econômica. É preciso superar o gargalo existente na desigualdade de acesso às ferramentas educacionais de qualidade e a demanda de trabalho altamente qualificado em setores que cresceram e devem ser ampliados no pós-pandemia: serviços de saúde, serviços de educação, serviços empresariais, de marketing, tecnologia, finanças, etc – como nos lembra o especialista Paulo Gala.

O Plano de Portugal traz exemplos de ações que podem ser implementadas por estados e municípios e destaca a possibilidade de realizar parcerias com o setor privado para a formação de jovens, pela inclusão digital e educação voltada ao empreendedorismo. O que tem potencial para qualificar o quadro de profissionais e ampliar a entrada no mercado de trabalho altamente digital no longo prazo

No caso da cidade de São Paulo, o município vem desenvolvendo desde o início de 2021 ações alinhadas à Economia do Cuidado, educação e empreendedorismo por meio do Programa POT Volta às aulas. A possibilidade de formalização de atividades de cuidado e prevenção
associadas ao retorno às aulas no município paulistano dá às mães a possibilidade de terem uma alternativa de renda e emprego ao mesmo tempo que as capacitam para o empreendedorismo. “Com a pandemia, essa população foi uma das mais impactadas. Elas tiveram que escolher não trabalhar porque precisavam ficar com outras pessoas, já que não podiam contar com uma rede de apoio, como a escola ou cuidadores externos. A rede de apoio de pessoas que cuidam de pessoas foi muito prejudicada”, afirma Helena Grundig, Diretora Técnica da Agenda Pública. Para ela, as políticas públicas precisam de uma perspectiva transversal. Assim, se o município abrir uma creche, por exemplo, o ideal é que o local já esteja próximo a outros lugares onde as mulheres possam trabalhar, facilitando o deslocamento.

Quer saber mais? Acesse a publicação “Recuperação Econômica Inclusiva: Um guia com boas práticas e soluções para municípios com referências e aprendizados”.