Durante a pandemia, o apoio dos governos às Micro e Pequenas Empresas foi decisivo para mitigar os efeitos da crise sobre o setor produtivo. Portugal, Brasil, Canadá e muitos países criaram ou ampliaram ações de financiamento e flexibilização de juros ou prazos de pagamento para esses empreendedores. O fortalecimento dos pequenos negócios é fundamental para a retomada econômica dos municípios, e uma das maneiras de incentivo à formalização bem como à manutenção desses negócios pode ocorrer via programas de microcréditos locais. Esses programas podem estar articulados também com políticas de qualificação dos empreendedores sobre as finanças dos negócios ou até mesmo com planos de desenvolvimento econômico e sustentável nos diferentes níveis de governo.
“O microcrédito ocupa o espaço decisivo para oportunizar acesso ao capital, gerando investimentos decorrentes tanto das atividades desenvolvidas a partir deste, como a partir dos lucros gerados na localidade do empreendedor. A localidade à qual pertencem os empreendedores que tomaram os microcréditos tem uma tendência muito forte a ganhar externalidades positivas desde que a consciência comunitária esteja arraigada nesta comunidade ou que exista capital social” (MATEI; da SILVA, 2018, p. 131).
O microcrédito e, mais recentemente, a economia solidária ganham muito espaço no atual cenário de crônica desigualdade social. Um número significativo de trabalhadores, principalmente mulheres, perderam seus empregos, sendo que muitas passaram a realizar trabalhos domésticos, artesanais, manuais para conciliar trabalho e o cuidado com os filhos, que deixaram de frequentar as escolas em função da pandemia. A possibilidade de formalização dessas atividades associadas a políticas de microcrédito pode ser uma importante alternativa de fonte de renda para a família, bem como de empoderamento de mulheres trabalhadoras e empreendedoras.
ACESSO A CRÉDITO E FORTALECIMENTO DO EMPREENDEDORISMO – case Rio Grande do Norte
No Rio Grande do Norte, a especialista do Local Lab ODS Maria do Perpetuo Socorro de Almeida comenta que pelo Programa Microcrédito do Empreendedor Potiguar o estado já beneficiou mais de 11,6 mil empreendedores e injetou um volume de recursos superior a R$ 44,8 milhões na economia do estado.
“O Programa Microcrédito do Empreendedor Potiguar da Agência de Fomento do Rio Grande do Norte (AGN-RN) é uma ferramenta de estímulo à implantação de novos negócios e para a promoção do crescimento sustentável dos empreendimentos e empreendedores do estado.
Os financiamentos realizados por meio de microcrédito são direcionados a micro e pequenos empreendedores, sejam eles formais ou informais, dos mais diversos segmentos da economia potiguar. Os prazos para pagamento variam de acordo com a atividade produtiva e a natureza física ou jurídica do contratante, tendo como garantia o aval solidário. A estimativa é de que o programa tenha impactado diretamente mais de 30 mil pessoas com geração e manutenção de emprego e renda em todas as regiões do Rio Grande do Norte.
Por meio da alavancagem inovadora do capital social e de outros substitutos de garantias, os empréstimos a microempresas superaram as falhas do mercado que historicamente excluíram estas empresas dos mercados financeiros. Por esses esforços, as instituições de microfinanças (IMF) estão habitualmente convencidas de que os seus serviços são intrinsecamente benéficos para os seus clientes. A perspectiva do impacto social, incluindo a redução da pobreza e o empoderamento das mulheres, explica o interesse dos doadores e dos governos em estimular e desenvolver as microfinanças”.
Cabe ressaltar alguns pontos sobre as políticas de microcrédito: é fundamental identificar o público-alvo da formalização e qualificação, como no exemplo de Maricá. Muitos programas e políticas oferecem crédito aos empreendedores de micro e pequenos negócios já formalizados e com acesso ao crédito tradicional (que operam em valores superiores) (BRAGA, 2020). Para uma resposta econômica inclusiva, os programas de crédito devem ser orientados para diferentes grupos populacionais de baixa renda, a fim de que as atividades possam integrar socialmente os empreendedores ou trabalhadores informais.
Montenegro (RS) – Alianças para valorização do território
O caso de Montenegro (RS) nos mostra que, mesmo com a economia pautada no setor industrial, ainda é possível desenvolver ações pontuais de
valorização do comércio local, impulsionando o desenvolvimento e a
manutenção dos empregos. Constatação fundamental para o cenário brasileiro, já que a maioria dos municípios tem o setor de serviços como
o mais proeminente.
Montenegro é um município da Região Metropolitana de Porto Alegre com aproximadamente 65 mil habitantes, e tem a indústria como principal
atividade econômica. O município é referência na Região do Vale do Caí. Em entrevista para este material, a especialista prof. Cidonea Deponti destacou uma importante iniciativa de várias entidades para a valorização do comércio local durante a pandemia de Covid-19 em 2020.
A iniciativa partiu do Jornal Ibiá, veículo de comunicação do Vale do Caí, juntamente com a Associação do Comércio e da Indústria (ACI) e o
Sindilojas. Os três atores buscaram apoio junto à gestão municipal que, sendo estimulada, engajou-se no processo lançando a campanha “Sou daqui, compro aqui!”.
Os empresários locais que aderiram à campanha tinham direito a cartazes de propaganda para uso no estabelecimento e divulgação contínua nos
meios de comunicação sobre a campanha. Como contrapartida pagavam uma taxa simbólica de R$ 10 para impulsionar o comércio e os serviços de
Montenegro e da região, estimulando um consumo da produção local, valorizando as pessoas e as empresas. A ideia principal era criar senso de pertencimento do município, de consumo cidadão.
Para Cidonea, a campanha para o comércio de Montenegro gerou um processo de retroalimentação da economia pelo consumo local: o aumento do faturamento das empresas levaria a mais lucro, o que poderia gerar maior investimento. A elevação do faturamento também amplia a tributação e arrecadação dos impostos para o município, o que permite melhorar os serviços públicos prestados. Com o aumento do faturamento também é possível expandir a contratação da mão de obra, aquecendo os
salários e ampliando o consumo, o que a economia do desenvolvimento chama de círculo vicioso da riqueza. Segundo a especialista, essas ações fomentadas por atores locais, estimulando o crescimento da região, podem ser fundamentais em um processo de desenvolvimento de longo prazo.
Compras Públicas – ativação do comércio e da produção local
As compras públicas são uma importante ferramenta para ativação da economia local, trata-se do uso da demanda da administração pública por produtos e serviços aliado a função social. A pesquisa “Respostas e Estratégias dos Governos para Recuperação Econômica durante a Pandemia” (2020) mostrou que durante a pandemia, muitos estados e municípios ampliaram a aquisição de bens, equipamentos, máscaras e alimentos de pequenos empreendimentos locais. O Governo do Ceará, por meio da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), realizou uma grande compra de máscaras em tecido reutilizável, ativando a indústria têxtil da região. A produção das máscaras foi realizada por costureiras e empresas locais, o que permitiu a garantia de emprego e renda.
O município pode, junto com outros parceiros, não somente comprar equipamentos por meio de licitações, mas também apoiar e incentivar a
produção local de associações e cooperativas. Nesse sentido, Cuiabá e Várzea Grande, no Mato Grosso, foram palco de uma iniciativa liderada por
estudantes, professores, técnicos e outros profissionais da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), junto com o programa de extensão para incentivo à economia solidária, chamado de RECOOPSOL. A iniciativa promoveu vendas on-line e porta a porta de alimentos e produtos, aumentando os pedidos em quase 200%, gerando renda às famílias integrantes das ações e implantando cadeias curtas, mecanismo que
impulsiona o comércio local.
Outro exemplo de compras públicas com função social são os programas de aquisição de alimentos, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Os programas podem ser estratégias de recuperação econômica principalmente para municípios de pequeno porte ou interioranos. Ainda que dependam de recursos federais, a estrutura e a execução, bem como a circulação de bens alimentares e serviços acontece nas instituições locais, como escolas, centros de referência da assistência social, presídios, etc. Os programas têm grande capilaridade nos territórios, mobilizam famílias produtoras, instituições, além de trazer qualidade ao perfil nutricional dos
consumidores finais.
O apoio às pequenas empresas, microempresas, associações e cooperativas, além de negócios ligados ao comércio local é uma estratégia fundamental para a recuperação econômica, recomendada pelo Banco Mundial (2020). O fomento ao empreendedorismo local gera renda e tributos para a economia do município, garante o comércio mais justo de alimentos, sendo também um mecanismo de redução das desigualdades para grupos específicos, como negros, mulheres, agricultores, em função do aumento da renda das famílias envolvidas, provocando um círculo virtuoso para o desenvolvimento da economia local (SAMBUICH et al., 2020). Ainda, é uma estratégia que está prevista na Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, tendo o objetivo de aumentar a competitividade e a inserção em novos mercados.
O que os municípios podem fazer?
- Mecanismos de troca de valores com incentivo ao comércio local como, por exemplo, moedas sociais (digitais ou não), programas de pontos, programas de fidelidade, etc.
- Ações de valorização do comércio local por parte da gestão municipal, através de campanhas em veículos de comunicação e em parceria com as entidades locais representativas dos diferentes setores econômicos.
- Programas de Microcrédito com público-alvo específico e adequado
- Estímulo aos negócios ambientais
- Compras públicas priorizando empresas locais, associações e cooperativas do município e da região.
- Incentivo à formalização e registro dos produtores agrícolas locais através da DAP (Declaração de Aptidão ao PRONAF), o que permite mapear os potenciais fornecedores de alimentos do PAA e PNAE municipal.