Quatro boas notícias

 Foto: Júlio Vilela / AE   É assustador que o progresso das nações continue a ser medido apenas pelo PIB e, às vezes, pelo IDH   Por enquanto foi ínfima no Brasil a repercussão da 'Agenda 2030 para o...
São Paulo – 25/10/07 – REVISTA ESTADAO INVESTIMENTOS – Professor José Eli da Veiga, economista da FEA / USP, na Universidade de São Paulo – Foto: Júlio Vilela / AE
São Paulo - 25/10/07 - REVISTA ESTADAO INVESTIMENTOS - Professor José Eli da Veiga, economista da FEA / USP, na Universidade de São Paulo - Foto: Júlio Vilela / AE

 Foto: Júlio Vilela / AE

 

É assustador que o progresso das nações continue a ser medido apenas pelo PIB e, às vezes, pelo IDH

 

Por enquanto foi ínfima no Brasil a repercussão da ‘Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável´, adotada há exatos cinco meses em cúpula que reuniu chefes de Estado e de governo do mundo todo. Com certeza devido ao reinante “baixo astral”, mas certamente também à complexidade intrínseca ao próprio tema – a sustentabilidade do desenvolvimento – e à extensão do documento: 169 maçantes enunciados, parcialmente na forma de metas, que especificam os já dificílimos de memorizar 17 ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável).

A primeira boa notícia é que em cada um dos próximos quatro anos só um punhado desses objetivos vá para a berlinda, sempre com o último (17), que prevê os meios de implementação. Dessa forma, a primeira avaliação geral, em 2020, será precedida por um ciclo de acompanhamento (follow-up) de quatro anos temáticos: garantir que ninguém fique para trás, em 2016, garantir segurança alimentar em planeta seguro, em 2017, fomentar capacitações produtivas que tornem as cidades mais sustentáveis, em 2018, e empoderar as pessoas para garantir sociedades pacíficas com igualdade de gênero, em 2019.

Nesse plano, o monitoramento começará concentrado nos seguintes ODS: fim da pobreza em todas as suas formas e lugares (1); água e saneamento para todos (6), emprego produtivo e trabalho decente para todos (8); redução das desigualdades internas e entre as nações (10).

É assustador que o progresso das nações continue a ser medido apenas pelo do PIB e, às vezes, pelo IDH

Em 2017 a focalização passará para a relação entre segurança alimentar e suas bases biogeoquímicas, graças ao agrupamento dos seguintes ODS: acabar com a fome, melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável (2); urgência no combate à mudança climática e seus impactos (13); conservação dos oceanos, mares e seus recursos (14); estancar a perda de biodiversidade pela proteção dos ecossistemas terrestres e combate à degradação dos solos e desertificação (15).

Em 2018 as atenções se voltarão aos desafios urbanos, com holofotes nos seguintes ODS: garantir energia moderna acessível a todos (7); infraestruturas, industrialização e inovação (9), tornar todos os assentamentos humanos seguros e resilientes (11), fazer com que padrões de produção e consumo sejam menos insustentáveis (12).

Para fechar o ciclo, em 2019 será privilegiado o acompanhamento dos demais ODS: saúde e bem-estar para todos (3), educação e oportunidades aprendizado permanente para todos (4), alcançar igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas (5), construir instituições que promovam sociedades pacíficas e inclusivas com irrestrito acesso à justiça (16).

Além dessa engenhosa proposta de quatro anos temáticos, lançada no mês passado pelo secretário-geral Ban Ki-Moon, também foi extremamente alvissareiro o resultado de amplíssima consulta à comunidade dos peritos em estatísticas sobre os indicadores necessários à avaliação dos avanços na direção dos ODS. No mês que vem a poderosa Comissão Estatística das Nações Unidas deverá se pronunciar sobre nada menos que 149 indicadores escolhidos por unanimidade e mais 80 não descartados por terem obtido razoáveis consensos. Essa listagem é tão impressionante que impõe a dúvida: será que ao menos alguma das agências nacionais de estatística disporia de dados adequados ao uso das duas centenas de indicadores que poderão ser acatados?

É bastante provável que a resposta a tal pergunta seja não somente negativa, como realce que muitos desses indicadores são inteiramente inéditos. O que não deixa de ser uma terceira boa notícia, pois com isso uma das grandes virtudes da Agenda 2030 será a de favorecer um salto cognitivo sobre a sustentabilidade do desenvolvimento por tomada de consciência sobre a vastidão das deficiências no âmbito de tais métricas.

O melhor exemplo é a enorme dificuldade de se obedecer a uma das mais recorrentes recomendações oficiais das últimas décadas: a superação do PIB e do IDH por aferição abrangente do desenvolvimento sustentável. O último dos enunciados sobre os ODS lançados pela Agenda 2030 é a meta de se ter, até 2030, uma medida de progresso que “complemente” o PIB. E, para atender a tal exigência, o relatório da “Inter-Agency and Expert Group on Sustainable Development Indicators” sugere (sem unanimidade) um indicador ainda bem desconhecido, proposto por parceria da Universidade das Nações Unidas (UNU) com o Pnuma: o “Inclusive Wealth Index”.

Caso tal proposta favoreça a abertura da discussão evitada nos últimos seis anos sobre as conclusões do relatório da comissão coordenada por Joseph Stiglitz, Amartya Sen e Jean-Paul Fitoussi (reproduzido no livro “Mis-measuring our lives, Why GDP Doesn´t Add Up”, The New Press: 2010), com certeza essa será – por si só, e de longe – a melhor das quatro boas notícias. Afinal, é assustador que o progresso das nações continue a ser medido apenas pelo aumento da produção mercantil interna (o PIB), e – às vezes – pela média aritmética entre o per capita desse acréscimo e desempenhos em saúde e em educação (o IDH).

 

José Eli da Veiga, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE/USP) e autor de “Para entender o desenvolvimento sustentável” (Editora 34, 2015).

 

Fonte: Página web: www.zeeli.pro.br